Socialização, pandemia e saúde mental

Estes últimos dias estava fazendo memória de tudo o que o ano de 2020 provocou nas minhas relações, em especial pelo impacto da COVID-19, pelos amigos e colegas que passam e marcam em algo; pensava em especial sobre como o paciente de transtorno mental deve ser resiliente. 
Vocês que estão me acompanhando a muito tempo, aqui no blog, sabe de minha jornada. Muitos de vocês só não sabem como é a vida dos meus amigos do grupo de apoio, das páginas do Facebook e Instagram que acompanho e vejo o quanto estamos sofrendo. 

Alguns dos meus colegas no combate ao estigma e preconceito da esquizofrenia, bipolaridade e outros transtornos, lutamos todo dia para superar a saída da cama, do quarto e ainda de casa. Imaginar que muitos deles estavam em processo de avanço pessoal, saindo de casa, felizes por estar conseguindo evoluir no seu quadro e enfrentando de frente seus medos. Em meio a todo o avança uma pandemia provoca um isolamento forçado. Você já se imaginou no lugar de nós que estamos trancados em casa e com medo de tudo que está ao nosso redor? 

Cada vez que vejo um amigo e colega sofrendo e relatando suas dores, angústias, pensando em mudar de médico por estar se sentindo pior que antes, eu penso em quem está ao seu lado para lhe ajudar. Quantos não são os pares que estão neste momento pensando em abandonar a terapia e o grupo de apoio, pois estão exaustos de ficar trancados dentro de casa sozinhos, preferindo se fechar no seu mundo a se abrir aos demais. Deixam de socializar para interagir com seus delírios, alucinações e paranoias, afundando-se cada vez mais. 

Eu estou precisando mudar todos dia, tenho um filho de 3 anos e 6 meses que acorda às 7h30 e fala: "Bom dia minha Rainha, eu te amo. Você pode ligar a televisão para eu ver um pouquinho de desenho?" e neste momento ainda estou com um desejo profundo de dormir e ficar quieta embaixo das cobertas. Lembro do meu marido que sai de casa cedo para trabalhar e conseguir o sustento da casa. Então levanto para ajudar no que é preciso. 

Muitas vezes me sinto sozinha sim, sei que durante os meus 35 anos não foi nada muito diferente. Às vezes ainda sou obrigada a ouvir que nem filho era para eu ter, que o melhor seria cuidar da minha vida, de trabalhar, de assumir algo para mim. Entretanto ninguém aperta minha mão quando estou na crise que não me reconheço. ninguém vira a noite comigo aos gritos e choro por estar sentindo como que insetos e bichos peçonhentos andando pelo meu corpo. Não tenho amigos que no momento que sofro uma angústia sem fim que olha para mim e diz, estou aqui, vim te dar a mão. Óbvio que temos uns poucos com que posso contar, que possa gritar por ajuda. Se não fossem eles, muitas vezes, não sei o que seria de mim. 

A maioria das pessoas não sabem ou tem noção da força de uma pessoa em crise, quando deseja sumir do mundo. Meu marido mesmo teve que pedir ajuda algumas vezes para me segurar, teve que tirar a chave das portas para que eu não fugisse de casa e sumisse no mundo. A pandemia está nos sufocando muito, tem dias que imploro ao meu marido para dar uma volta de carro. Nestes últimos 3 meses, após minha avó ser vacinada, pedi para ir todo domingo passar o dia com ela, para conseguir conviver com os que amo. 

Socializar está sendo cada dia mais complicado. Meu marido e meu filho me forçam a ser uma mulher melhor, uma mãe dedicada, um protetora quando no fundo estou sem forças nem para mim. Quase não somos convidados para participar de nada, mesmo antes da pandemia, agora com o agravamento é que não somos chamados. 

Eu socializo com os que me amam, que trocam comigo, que estão comigo dando apoio nos momentos críticos; socializo com tantas pessoas aqui pelo blog e pela minha página, muitos nem nunca vi seu rosto e seu sorriso, mas trocamos tanto. Lembro de um amigo de coração lindo, que no momento de crise dentro de um shopping ligou para mim pedindo ajuda. Isso é amor, isso é saúde mental com qualidade aos pares. Somos uma rede de apoio entre nós, que visa crescer e ser melhores no mundo tão duro. 

Eu ainda tive que ouvir uma vez que meu filho era um "bicho". Como assim? O que um menino lindo, educado, atencioso e sapeca pode ser classificado por crianças mais velhas de bicho. Talvez por conviver com uma mulher portadora de esquizofrenia paranoide, justifica chamar meu filho assim? Basta! Chega de preconceito, chega de olhar para nós desta forma. 

Eu tenho dificuldades de conversar, sou muito prática. Muitas vezes preciso escrever um parágrafo de 300 palavras, mas me contento com 10, já dei meu recado. Nas conversas com os amigos isso também acontece. Tenho muitas vezes dificuldades em manter uma linha de raciocínio e até me esqueço às vezes do que estou falando, só que por trás de toda superação que vivo diariamente, existe ainda uma pessoa triste e que só queria ser tratada com carinho como trato a todos.

Fácil excluir e difícil compreender o motivo da exclusão, pois os meus meninos que não tem o problema são excluídos pelo fato de me amarem e serem meus amigos e companheiros. Não posso dizer que sou infeliz mas prefiro ficar perto de quem me trata bem e com respeito.

Se você leu tudo isso e não participa de algum grupo de apoio, busque este suporte para você e seus familiares. É um caminho de apoio, conhecimento e superação. Está difícil para todos com essa pandemia, para alguns ainda pior por ter perdido seu porto seguro nesta pandemia, ter perdido seu cuidador, amigo e parceiro nessa jornada, por isso estamos aqui dizendo VACINA SIM. Vamos vencer este momento e superar mais este grande desafio que nos apresenta.  

Comentários

  1. Respostas
    1. Isa, estamos no mesmo barco e juntos criamos essa consciência.

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  2. Muito bem Mariah, acredito que sua partilha possa criar grande identificação com os portadores de vulnerabilidade. Eu mesmo me sinto como você, e isso dá um certo alívio depois de ler. Obrigado. Parabéns pelo texto!

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  3. Obrigada Henrique, sei que não é fácil e não é o que queríamos mas aceitar e enfrentar as dificuldades com cabeça erguida é o que nos leva a lutar diariamente por respeito e igualdade.

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  4. Olá Mariah, estou acompanhando um pouco de sua historia aqui pelo blog, primeiramente parabéns por sua força, sua família é linda, em especial seu filho, ele é muito fofo... como faço para participar dos grupos de apoio? um beijo carinhoso

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  5. Então tem que participar das reuniões pelo zoom, depois me envia uma mensagem que te passo o link no privado.

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